Dica: Rastros de Sangue - Maya Avilo / Prévia com Dois Capítulos
Faaaala, galerinha!
A vida está uma correria ultimamente e, entre a leitura de um livro e intervalo de expediente, fui me aventurar nas hashtags da vida e me deparei com uma capa que me chamou atenção. E, depois de bater um papinho com a autora, ela me deixou ler alguns capítulos da obra e compartilhar aqui dois deles com vocês!
Fã de suspense? Sobrenatural? Uma pitadinha de romance também? Então cola aqui rapidinho que eu vou falar as minhas primeiras impressões sobre essa história que está para lançar na Amazon dia 09 de julho de 2021!
Prólogo
Era
dezembro, eu me lembrava. Em meio a toda aquela neve que caía, eu o encontrei.
Sentado na grama coberta pelo manto branco, a cabeça pendia levemente para o
lado e os olhos estavam perdidos no céu estrelado da cidadezinha de Holbrook.
Eu só tinha dez anos naquela época, mas eu sabia. Eu sempre soube. Nunca, nem
se nascesse de novo, amaria alguém de forma tão pura quanto o amei.
Porém...
Aproximando-me
devagar, fiquei observando-o por um tempo, silenciosamente, aproveitando os
instantes que restavam antes de ele perceber que eu estava lá e me expulsasse.
Ele nunca tinha me dado muita bola, e eu sabia que era bobeira me apaixonar por
alguém que mal falava comigo, mas entenda o meu lado: eu não tive escolha. Não
é como se você decidisse por quem se apaixona. Não é assim. Se você já se
apaixonou, vai entender o que estou dizendo... Só espero que a sua história
seja um pouco diferente da minha.
Nossos
pais eram amigos, mas isso nunca me deu vantagem alguma. Ele era frio,
indiferente à minha presença. No começo, eu até achei que fosse timidez, mas o
tempo me mostrou o contrário. Ele realmente não gostava de mim. Ou das pessoas em
geral...
Sei o que você
está pensando: “Nossa! Que masoquista!”. Pois é, essa até que seria uma boa
definição para mim, pelo menos naquela época. Contudo, mais uma vez, entenda:
não foi minha escolha.
Você
pode estar se perguntando: “Por que diabos ela se apaixonou por ele então?”
Minha resposta: nos poucos momentos em que ele falava, olhava, fazia qualquer
coisa senão me ignorar, era a melhor sensação que eu já tinha experimentado.
Ele sabia ser engraçado, gentil, carinhoso, um perfeito cavalheiro, e por isso
eu dava todo o crédito à Holly, mãe dele. Por trás daquela armadura que vestia,
a de menino intocável e indolente, eu sabia que estava o verdadeiro Trent. Aquele
que, nos raros momentos em que se permitia relaxar, apertava meu coração com
apenas um sorriso.
Ele
se mudou naquele dia. No dia em que tive coragem de me declarar e dizer tudo o que
tinha ficado entalado na minha garganta por três anos. Mas, convenientemente –
e naquele ponto eu já não deveria mais me surpreender – ele só se levantou,
manteve os olhos inexpressivos e brilhantes sobre os meus por alguns segundos e
saiu, passando carinhosamente a mão sobre o meu cabelo. Ao ver seu perfil de
relance, pude notar que ele contorcia os cantos da boca como se segurasse o
choro.
Quanto
a mim, não tive forças para reagir. Meus pés pareciam fincados no chão. Vendo-o
se afastar mais e mais a cada passo, lutei para engolir o nó que tinha se
formado na minha garganta. Atrás dele, os rastros de suas botas de cano longo
iam sendo apagados pela neve, fazendo parecer que ele nunca tinha estado ali.
Essa
foi a última vez que o vi.
Bom,
pelo menos até os meus dezessete anos.
Um
Viver em uma cidade pequena tem seus prós e contras, e,
acredite, a lista de contras é bem maior. Por exemplo, aqui estou eu, Casey
Novak, uma típica moradora de Holbrook. Todos
sabiam o que eu tinha feito ao acordar, na escola e ao voltar para casa. É um
dos contras saberem tudo sobre a sua vida, caso não tenha notado. E digo tudo literalmente. Os vizinhos – e os
que também não são – sabem quando foi a sua primeira menstruação, o primeiro
garoto que você beijou – muito provavelmente seu primo de segundo grau –, seus
"segredos" e o irreversível fato de que sua mãe tinha morrido há sete
anos em um acidente misterioso. Um saco, não? Bem-vindos à minha realidade.
É
nesse ambiente pedante e sem saída que tenho vivido por dezessete anos. O
máximo de entretenimento que temos aqui é o recém-inaugurado shopping center e
o parque de diversões macabro que, por acaso, está interditado há anos.
Não
há ninguém que você não conheça. Não há ninguém que não conheça você.
Provavelmente a grande maioria de nós vai passar o resto da vida aqui, morrendo
de tédio, sentados numa cadeira de balanço bem posicionada na varanda,
assistindo ao pôr do sol. Não é uma maravilha?
E
é por isso que quando uma família nova aparece no pedaço, todos ficam
surpreendentemente excitados. Bom, todos menos eu. Adivinhe o porquê.
Três.
Dois. Um. O tempo acabou.
A
resposta: não fará a menor diferença o surgimento de carne fresca, pois, em
menos de meia hora, todos já saberão a vida inteira dos novos Encarcerados e
eles serão uma família qualquer. Sim, é desse modo que eu e a minha melhor
amiga, Brooke Heights, chamamos os residentes de Holbrook. Encarcerados. Pois não importa o tamanho da sua vontade, nunca
conseguirá se livrar daqui. A menos que seja liberto por uma força maior. Como
em uma prisão. É quase poético.
Assim
que o sinal toca, passo pela porta principal do colégio, uma alça da mochila já
escorregando do meu ombro para ser enfiada no armário azul que é quase da minha
altura. Giro o disco com rapidez. A senha é a mesma de quatro anos antes. Troco
a mochila pelos livros de física e biologia e fecho a porta do armário com um
estalo, quase correndo ao ver o diretor do outro lado do corredor. Viro o
rosto, fingindo não notá-lo, mas isso não impede Barren Barr, mais conhecido
como “Bebê”, de cantarolar com deleite perverso:
— Está atrasa-da!
— Eu se-ei! — sussurro de volta,
alto o suficiente para uma menina que estava saindo do banheiro ouvir e dar uma
risada. Bebê, por sorte, estava muito distraído importunando outro aluno para
perceber.
Aperto o passo, já avistando a
última sala do primeiro andar, onde tenho aula de física. Espiando pelo
quadrado de vidro no alto da porta, percebo que a senhorita Torres já está
sentada na mesa de madeira, as pernas cruzadas encobertas pelo vestido de cores
vibrantes. Ela não para de falar um minuto e penso duas vezes se entro ou não.
Decido entrar. Dou umas batidinhas na porta e peço licença. A senhorita Torres
mal nota a minha presença. Vou de cabeça baixa até a última fileira da sala
enquanto ouço a professora discursar sobre como Newton era um homem brilhante e
que devíamos nossa vida a ele.
Então
tá...
Assim que me acomodo, a porta é
escancarada e o som de algo caindo pesadamente no chão faz meu coração pular.
Até mesmo a senhorita Torres se cala. Quando vou ver quem é, um sorriso
imediatamente ilumina meu rosto ao avistar minha melhor amiga ajoelhada,
tentando recolher seus pertences o mais rápido possível. Depois que ela se
levanta, a senhorita Torres parece se ver livre dos encantos de Newton e começa
a distribuir o programa para os alunos.
— Você nunca perde a chance de fazer
uma entrada triunfal, né? — provoco Brooke, que estava preocupantemente pálida.
— Parece que você viu um fantasma.
— E eu achando que esse ano seria
diferente — ela pragueja ao se sentar, os livros escorregando pela mesa e quase
caindo novamente. Retira um espelho de mão do estojo e examina cautelosamente o
rosto. — Santo Deus, eu pareço uma branquela azeda! O que minha mãe vai pensar?
Imagina o desgosto! — brinca, arrumando os cabelos cacheados e dando uns
tapinhas na bochecha na tentativa de retornar à sua cor original.
— Você está ótima. Não se preocupe.
— É óbvio que estou ótima. Já viu
esse rostinho lindo? — esbraveja, passando a mão pelo maxilar. — Essa pele,
esses olhos. Alguns já me compararam à Logan Browning, acredita?
— É muito bom ver que está animada,
senhorita Heights — a professora surge com um sorriso amigável no rosto. —
Tenho certeza de que vai direcionar toda essa energia para nossa querida
matéria.
— Mas é claro, Cris! — O nome da
senhorita Torres é Cristina, mas desde o ano passado Brooke pensa que tem
intimidade suficiente para chamá-la de Cris. A professora reclamou nas primeiras
vezes, mas, quando viu que Brooke não ia parar, simplesmente desistiu. — Em
quais deliciosas fórmulas vamos nos aventurar, hein?
— Você já vai saber — a professora
responde, não escondendo a animação. Gira nos calcanhares e volta saltitante
para a frente da sala.
Brooke me cutuca.
— Por que faltou ontem? Já quer
começar o ano mal?
— Tive que ajudar meu pai a arrumar
o escritório.
Mentira. Não faço a menor ideia do
porquê. Na verdade, quando acordei hoje, tinha certeza de que era domingo. Meu
pai estava agindo normal, então eu talvez só tivesse dormido bastante e perdido
a noção do tempo...
— Ok, conta outra — Brooke insiste.
— Até parece que seu pai ia te fazer faltar por causa disso. Qual é o nome
dele, hein? Vai, me conta!
— É sério, Brooke! Meu pai estava se
sentindo mal e me pediu para ajudar. Foi só o primeiro dia. O que eu perdi?
— A pergunta certa seria quem você perdeu. — Ergo a sobrancelha,
curiosa. Brooke aponta para um menino sentando duas mesas à frente. — Um
novato, e dos bons.
Forço a vista, tentando analisar o
garoto, mas o esforço é em vão. Ele está de costas para nós duas e encoberto
por um capuz.
— É só isso que você tem a me dizer?
Esperava mais...
— A gente não sabe muito sobre ele,
ok? Só que o nome é Ian e que ele veio de Cadoz.
— Ah, então é surfista — digo com
desinteresse. Cadoz é uma cidade litorânea do estado de Monterio, a leste do
país, conhecido pelas praias e pontos turísticos de tirar o fôlego. Alguém de
um lugar assim dificilmente se enfurnaria num fim de mundo como Holbrook, o que
seria um prato perfeito para despertar a curiosidade e euforia da escola.
Contudo, os alunos parecem estranhamente calmos com a chegada do novo
Encarcerado. — Ele já soltou algum “brother” ou ainda está muito cedo?
— Na verdade, ele nem abriu o bico,
então a gente não sabe nada além do que o diretor disse, o que é memorável.
Boatos de que um menino tentou tirar algumas informações dele ontem e foi
ignorado categoricamente.
Como se soubesse que estava sendo
alvo de fofoca, o garoto olha por sobre o ombro na nossa direção. Quebro o
contato, mas quase imediatamente volto a olhar para o novato, que ainda nos
observa. Seus olhos são de um preto sem fim e me puxam como um buraco negro.
Estou tão absorta que não percebo a presença da senhorita Torres até ela
estalar os dedos bem diante dos meus olhos.
— Terra chamando Casey! Pelo visto
encontrou algo mais interessante do que a minha aula.
A turma inteira ri e a professora
continua de onde parou. Engulo em seco e encaro a folha de papel sobre a mesa.
Rabisco palavras soltas e quase ininteligíveis, tentando me distrair, mas um
impulso primitivo me obriga a olhar de novo para o garoto, só uma última vez.
Para minha surpresa, ele ainda me encara e desta vez consigo ter uma visão
melhor do nariz longo e fino e do cabelo preto espetado sob o capuz. Ele usa um
moletom cinza embora o dia esteja quente. O rosto, apesar de bronzeado, é
inexpressivo, e os olhos escuros, vazios. Parece que estou encarando a Morte em
carne e osso. Ele está olhando para mim e ao mesmo tempo não está. É como se
visse algo além de mim. Por um momento, parece que só nós estamos naquela sala.
Naquela escola. Então ele desvia o olhar e me sinto fisicamente cansada, como
se aqueles poucos segundos tivessem sugado minha vitalidade.
Mas,
ainda assim, algo nele me atrai, apesar de não saber o quê. Em meio a tantas
figurinhas repetidas, ele tinha um ar misterioso... e incrivelmente triste.
O
restante da aula passou rapidamente e sem surpresas. Afinal, quem não entende
nada de física não vai passar a entender tudo magicamente com a virada de ano,
não é? A aula de biologia foi igualmente chata, como sempre, principalmente por
não ter Brooke ao meu lado para nos ajudarmos a não prestar atenção. Ela
pretende cursar medicina na faculdade e é extremamente inteligente, então está
pegando umas matérias avançadas de biologia, o que é mais um motivo pelo qual não
me preocupo tanto em não saber a matéria básica, já que ela pode me ajudar na
hora de estudar para as provas. Enquanto o senhor Landschaff falava sem parar
sobre as mitocôndrias, demorando-se uns dez minutos em cada slide, eu observava
furtivamente o novato, que agora estava sentado na carteira ao lado. Na
primeira tentativa, cheguei a suar frio, com medo de que ele pudesse estar me
olhando. Mas, para minha (in)felicidade, ele estava dormindo. E babando. Por
isso não tive outra escolha senão anotar tudo o que o professor falava.
Agora,
temos que ir ao ginásio para um dos únicos tempos bem gastos na escola, fora o
horário do almoço: educação física.
Toda
terça-feira jogamos vôlei, e é o momento perfeito para descontar a minha raiva
na abelha-rainha do colégio: Kim Olsen. Nada contra as garotas populares. Uma
boa parte delas nem é de todo ruim. O problema é você ser popular e nojenta. Aí
já estoura a cota de paciência do ser humano, e essa infelizmente não é uma das
minhas virtudes.
O
lance com a Kim é que... Bem, não sei qual é a dela, sinceramente. Quando eu
ainda era pequena e tinha acabado de entrar no colégio, ela começou a me
importunar sem nenhum motivo aparente. Eu soube pouco tempo depois que os pais
dela eram ricos, o que não seria problema algum, mas o pequeno e irritadiço
detalhe era que, por conta desse berço de ouro, ela acreditava que podia pisar
em qualquer um que respirasse o mesmo ar que ela e transformar a vida dessa
pessoa em um inferno. E foi o que aconteceu comigo. Eu vivia nas garras dela.
Desde o primeiro dia, eu tinha tentado seguir o conselho do meu pai e não
chamar atenção para mim mesma, para não ter problemas e, bom, obviamente não
funcionou. Qualquer movimento meu era cronometrado para não invadir o caminho
daquele protótipo de Megan Fox. Mas, felizmente, conheci Brooke. Ela me tirou
da escuridão e mostrou que eu podia ser muito mais do que um capacho da versão
morena e de cidade do interior de Regina George.
Desde
então, cá estou: mantendo distância de Kim e resumindo minha vida escolar em
estudar para conseguir entrar em qualquer universidade bem longe deste lugar.
Ter Brooke ao meu lado torna tudo mais fácil. Ela é a melhor amiga que eu
poderia ter. Além de chamar a atenção com seus olhos castanho-esverdeados e ser
maldosamente divertida, estando sempre pronta para soltar um comentário
sarcástico, Brooke gosta das mesmas coisas que eu, come pizza como se fosse a
última refeição que teria, me dá os melhores e mais sinceros conselhos e, o
melhor de tudo, nunca me abandonou.
Esse
era um medo que eu tinha desde que o garoto por quem fui perdidamente
apaixonada sumiu do mapa de um dia para o outro. Minha mãe ter morrido sete
anos atrás, logo após sua partida, só piorou a situação. Meu pai sempre foi
muito atencioso comigo, mas nada poderia ocupar o vazio que ela deixou. Além
disso, por mais que eu não quisesse acreditar, eu sentia que ele vinha
escondendo alguma coisa de mim.
Saindo
de meus devaneios, termino de vestir meu uniforme de educação física e saio
acompanhada de Brooke para a quadra.
—
Posso sentir no ar o cheiro de guerra com bolas — falo, inspirando fundo. Ao
abrir os olhos, noto que Brooke me observa com uma expressão divertida no
rosto. — Eu sei. Na minha cabeça soou melhor.
—
Relaxe. Entendo o que está sentindo. Hoje é dia de vingança.
—
De morte...
—
Na verdade, é o dia de vocês calarem a boca e irem para a quadra! — a
professora Strauss grita no nosso ouvido, finalizando o trabalho ao soar o
apito e quase explodir nossos tímpanos. Ela é uma mulher corpulenta, de cabelos
castanhos e olhos da mesma cor. O rosto é coberto por marcas de espinha, mas o
que mais chama a atenção é o nariz incrivelmente torto, como se tivesse levado
um tremendo soco. — Todas em linha. Vamos formar os times. Olsen, Novak, vocês
serão as capitãs. Venham aqui para a frente, por favor.
Sem
pensar duas vezes para não correr o risco de Strauss soar o apito de novo, Kim
e eu caminhamos para ficar uma de frente para a outra. Se fizéssemos parte de
um filme, a música de fundo seria daquelas que colocam quando dois exércitos
estão prestes a iniciar a batalha e nosso caminhar seria gravado em câmera
lenta. A tensão entre nós é tão palpável que até as meninas que estão de fora
parecem acuadas...
Ou
talvez eu esteja exagerando um pouco.
Regina
George – digo, Kim – para com uma mão na cintura, me examinando de cima a
baixo.
—
Pode começar, água de salsicha — ela fala despreocupadamente, arrancando
risadas de seu grupinho.
Nem
preciso olhar para Brooke para saber que ela está fazendo uma careta ridícula
para Kim e coçando a barriga como se fosse um tiozão rindo de uma bela piada
sem graça. Ignorando Kim completamente, chamo o nome de Brooke e seguimos na
escolha dos times, com Kim chamando suas lacaias, as gêmeas Britt e Beth Davis,
de uma só vez. Quando tudo está pronto, tiramos no par ou ímpar quem vai
começar com a bola. Venço.
Brooke
começa sacando, mirando a bola em Beth, que dá um passe nas mãos de Roberta
Nunes, que levanta perfeitamente para a gêmea mais velha, Britt. Ponto. Brooke
bate palma, encorajando nosso time. Ela podia ser extremamente competitiva
quando o assunto era vencer uma partida, independentemente do esporte ou contra
quem estávamos jogando. E o fato de Kim estar do outro lado da quadra inflamava
seu espírito.
Britt se prepara
para sacar, jogando a bola para o alto e saltando, mandando um saque veloz. A
bola explode nos braços de Bia, uma menina baixinha e destrambelhada da nossa
turma, mas ela consegue fazer o passe chegar às mãos de Yoko, nossa
levantadora. Yoko olha rapidamente para mim e assinto, me preparando para
saltar. Ao tirar os pés do chão, sinto que vou fazer um ponto fácil, mas de
repente os braços de Kim aparecem no meu campo de visão, bloqueando a bola e
fazendo-a cair na nossa quadra. O time adversário grita, comemorando o ponto, e
Kim me oferece um sorriso sarcástico.
— Ainda está
dormindo, Novak?
Ignoro a
provocação, voltando para a formação, colada na rede e esperando mais um saque
de Britt. Desta vez, contudo, ela manda a bola na rede e nosso time faz o
rodízio. É minha vez de sacar.
Posicionando-me atrás
da linha, me concentro em mirar exatamente na cara prensada de maquiagem
ambulante de Kim. Jogo a bola para o alto, me preparando para dar um saque
viagem, mas meu corpo não se move para completar o movimento. Isso só dura um
segundo, mas é o suficiente para a bola voltar a cair no chão e a turma
explodir em uma risada. Brooke olha para mim de cara feia, perguntando o que
tinha acontecido. Balanço a cabeça, pedindo para ela deixar para lá, e me
ajoelho para pegar a bola. Meu corpo inteiro está tremendo. É o mesmo calafrio
que senti mais cedo, quando o novato chegou. Olho rapidamente para as
arquibancadas, procurando o garoto, mas só há duas góticas conversando. Examino
os arredores e também não encontro nada. Acho que estou ficando maluca. Volto à
órbita e encaro os rostos assustados. Até mesmo Kim está séria e parece verdadeiramente
preocupada. Pela primeira vez vejo uma ruga entre seus olhos.
—
Cass, você tem certeza de que está bem? — Agora consigo distinguir o rosto de
Brooke, um cacho solitário no topo da cabeça escapando do rabo de cavalo bem-feito.
—
Tenho, sim. Relaxa — digo, forçando um sorriso. Atrás de Brooke, Strauss percebe
que a situação voltou ao normal e já está com o apito na boca, preparada para
mandar ver. Pego a bola do chão e espero Brooke se posicionar na quadra.
—
O que está esperando, Novak? — Strauss berra. — Dá um tapa nessa bola antes que
eu dê um em você.
Encaro
a bola nas minhas mãos, tentando entender o que tinha acontecido. Por um
instante, tive certeza de que ele estava aqui.
Enfim ponho a bola
em jogo. Roberta dá o primeiro toque, então Britt é obrigada a levantar a bola
de manchete. Todos esperam a cortada de Kim, mas ela não pula. Na verdade, nem
percebe que a bola foi lançada para ela. Kim ainda me encara com desconfiança,
então vira de costas e volta para o vestiário.
Depois desse
episódio, não consegui me concentrar pelo resto do dia. Passei todas as aulas
absorta em meus pensamentos, tentando entender o que diabos havia de errado comigo.
O que foi aquela sensação? Será que eu estava com alguma doença?
O almoço é um
tempo perdido. Não estou com fome. Apesar disso, pego um hambúrguer com batata frita
na esperança de que isso abra meu apetite e me sento na mesa de sempre, ao lado
de Brooke e de frente para Robbie Coleman e Rafa Castro, meus amigos há pouco
mais de um ano. Brooke os conhece há mais tempo, então tem mais intimidade. Nós
quatro almoçamos juntos sempre, mas não é como se eu fosse melhor amiga deles.
Ainda assim, estar com eles sempre rende boas risadas. Quando os dois percebem
que estou calada demais, perguntam a Brooke:
—
Qual é a dela? — Rafa aponta para mim com o garfo, a boca cheia de feijão com
arroz.
—
Acho que é a primeira vez que vejo a Cass mal tocar na comida — Robbie
completa, preocupado. Pega minha mão e a aperta. — Você está bem, meu anjo?
Reviro
os olhos, rindo.
—
Eu estou bem, sério.
—
Ela não está bem — Brooke me interrompe. — Aconteceu um negócio hoje no
ginásio.
—
O quê? — os dois perguntam em uníssono.
—
Não foi nada de mais — tranquilizo.
—
Essa garota parecia que estava tendo um ataque cardíaco. E pior, depois fingiu
que não era nada.
—
Mas não foi nada! — insisto. — Foi só um susto.
—
Eu aposto em gases — Rafa comenta despretensiosamente, já abocanhando mais uma
garfada.
—
Não seja idiota! — Robbie lhe dá um soco no braço. — Isso é sério. Já foi na
enfermaria?
—
Eu estou ótima! — praguejo, empurrando a bandeja para longe. Realmente estava
sem apetite. — Sério, não se preocupem. Dormi mal na noite passada e não tomei
café direito. Devem ser gases mesmo.
Rafa
confirma com um aceno de cabeça, satisfeito. Aponta para o meu prato com
hambúrguer e fritas e pergunta se pode pegar. Assinalo que sim e ele não faz
cerimônia.
—
Então, já que você está ótima, vai na
casa do Rafa hoje? — Brooke pergunta, desafiadora, sem nem olhar para mim. — Já
tivemos que adiar nosso encontro por sua causa.
—
Hoje não vai dar — murmuro, já sabendo a chuva de reclamações que está por vir.
— Tenho que voltar para casa.
—
Mas é nossa tradição! — Robbie choraminga.
“De vocês três”,
penso.
—
Eu já comprei umas cervejas e coloquei no gelo — Rafa adiciona, dando de ombros.
— Se você não for, eu vou tomar tudo sozinho.
—
Ei, não se esquece de mim — Brooke protesta. Pensar que eles vão fazer a festa
sem mim dói por um instante, mas realmente não estou no clima. Além disso,
tenho certeza de que Brooke só falou isso para me convencer. Eles não me
deixariam de lado.
—
Fica para a próxima, galera — digo, já me levantando da mesa. Estou um tanto
zonza. Pego a bandeja e me viro para sair do banco. Robbie ainda tenta me
avisar, mas é tarde demais. Não percebo que ele está ali, então acabo
acertando-o com a bandeja. Por um momento, fico aliviada, mas então descubro
que há uma mancha na blusa do novato, uma mancha vermelha que não estava ali
antes.
Ketchup.
Ele
me fita com uma pitada de ódio. O refeitório inteiro caiu no silêncio, todos
atentos à cena. Como se não bastasse o meu pequeno episódio de mais cedo, o que
me trouxe uma atípica atenção indesejada, o novato era a mais nova atração sob
os holofotes. Um prato cheio para esses malditos Encarcerados fofoqueiros.
—
Desculpa, eu não te vi. Já vou...
—
Não precisa — ele me interrompe, a voz em um tom rouco de arrepiar.
Negativamente.
A
mão de Brooke surge ao meu lado, oferecendo um guardanapo. Com a mesma
expressão vazia, o novato pega o papel da mão dela.
—
Obrigado — agradece baixinho, então vai se afastando aos poucos até sair do
refeitório. Assim que as portas param de balançar, os burburinhos retornam
ainda mais animados.
—
Você nunca perde a chance de fazer
uma entrada triunfal, né? — Brooke repete minhas palavras de mais cedo,
prendendo o riso.
Abafo um suspiro, deixando a bandeja
sobre a mesa para não correr outro risco.
— E eu achando que esse ano seria
diferente.
Quando
o sinal toca, anunciando o fim do dia escolar, burlo a minha rotina de voltar
para casa com minha melhor amiga e me despeço, indo instintivamente para o meu
refúgio.
Há
muito tempo, ainda na infância, briguei com meu pai e decidi que queria “fugir”
de casa. Saí em disparada do meu quarto, desci correndo as escadas e adentrei a
escuridão da rua. Corri sem parar, mal vendo um palmo à minha frente, até
sentir galhos se quebrando aos meus pés e arranhando levemente meu rosto. Até
aquele momento, eu não tinha pensado em parar, mas a dor me fez despertar do
meu torpor. Quando notei onde estava, foi a vez do medo tomar conta de mim.
Todas as crianças já tinham ouvido as histórias de terror sobre as florestas de
Holbrook. Era o tipo de coisa em que não acreditávamos até viver. E, embora não
tivesse nenhum espírito maligno comigo por ali, isso não me impediu de ficar
aterrorizada por estar perdida. O vento frio do outono fazia meu corpo
estremecer e eu sabia que ficar parada era a pior opção, então continuei
caminhando, adentrando cada vez mais a floresta com meus braços estendidos à
frente do corpo para não acabar dando de cara em um tronco. Eu tinha uns dez
anos na época, então pode imaginar o medo e o arrependimento que senti por ter
saído do conforto da minha casa. Já aos prantos e com as pernas doloridas de
tanto andar, uma luz prateada brilhante capturou o meu olhar e me guiou até um
desfiladeiro. A lua estava em seu ponto máximo, cheia, e parecia me convidar a
descansar naquele local.
Fui
me aproximando lentamente, tomando todo o cuidado para não tropeçar, porque, se
isso acontecesse... Adeus, Casey Novak. Abaixo de mim, não havia nada senão a
escuridão. Agarrando-me à rocha na beirada do desfiladeiro, testei a
resistência do chão, firmando o pé sobre ele e dando umas batidinhas.
Aparentemente seguro. Sem ter o que fazer, perdida em meio àquele verde, me
sentei na ponta da rocha, observando a escuridão sem fim aos meus pés. Era
amedrontador e magnífico ao mesmo tempo.
Devo
ter perdido horas sentada ali. Meu pai devia estar louco à minha procura.
Eu estava quase
adormecendo quando um arrepio percorreu a minha espinha, fazendo-me estremecer.
A princípio, achei que fosse por conta do frio, mas, tão logo ouvi o rosnado às
minhas costas, sabia que era algo muito pior do que isso. Quando espiei por
sobre o ombro, avistei uma silhueta parcialmente iluminada pela lua saindo do
amontado de árvores.
Um lobo.
Seu
pelo era extremamente preto e ele era relativamente grande, embora ainda
parecesse um filhote. Com calma, saí de perto do penhasco, tentando melhorar
minhas chances de sobreviver. Bastou um rosnado dele para me fazer parar no
meio do caminho. Esperei a criatura me atacar, mas o lobo mal se moveu,
parecendo mais calmo. Como ele não fez menção de se mover, avancei
gradativamente, com as mãos acima da cabeça – como eu tinha visto várias vezes
nos programas de televisão –, querendo transmitir ao animal que não queria lhe
causar mal algum... Como se isso fosse fazer alguma diferença se ele estivesse
morrendo de fome.
No
primeiro passo que dei, o lobo veio na minha direção. Parei de imediato,
respirando pesadamente e acompanhando-o com os olhos enquanto ele rodeava o meu
corpo. Então, para a minha surpresa, ele se esfregou na minha barriga, pedindo
carinho como um cachorro. Sem saber o que fazer, continuei com as mãos para o
alto, esperando que ele fosse embora. Mas ele não fez isso. Na verdade, cutucou
meu rosto com o focinho e voltou para a floresta, parando na entrada como se
quisesse que eu o seguisse.
Fiquei
estática, sem saber direito como prosseguir. Seguir um lobo pela floresta
esperando que ele me guiasse de volta à rua não passaria pela minha cabeça nem
em meus sonhos mais loucos.
Mas
foi o que fiz. Confiei cegamente em um animal selvagem na esperança de que ele
me conduzisse à saída. E, por mais ridículo que pareça – e por mais que você
pense que sou maluca – foi o que ele fez. A criatura com pelos tão escuros
quanto a noite e olhos amarelos me mostrou o caminho para fora daquele
labirinto.
Mesmo
alguns segundos depois de sairmos da floresta, meu cérebro não conseguia
processar que aquilo realmente tinha acontecido. Quando me virei para ver o
lobo mais uma vez, ele já tinha sumido. Tão logo apareceu, se foi. Por dias,
achei que aquilo tinha sido fruto da minha imaginação, mas no fundo eu sabia...
Ele
era real e tinha salvado a minha vida.
Bem, por hoje é só.
Prometo que venho com uma resenha logo, logo, meus prateleiros!
Até a próxima
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